domingo, 14 de março de 2010

PROFESSOR - ARTISTA...OU PALHAÇO?

Professor-Artista... ou Palhaço?



Gabriel Perissé
Doutor em Educação pela FEUSP,
Professor da Pós-Graduação do Programa de
Mestrado em Educação da Uninove
e Coordenador Pedagógico do
Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa (Ipep)





Influenciados pela mentalidade comercial que se preocupa em “agradar” o cliente, e sendo os alunos os principais consumidores do produto “educação”, várias escolas e faculdades particulares querem que o professor se torne uma espécie de vendedor bem-sucedido, entusiasmado animador de auditórios lotados.

O professor, neste contexto, precisa saber entreter e despertar o interesse dos alunos (sem que haja momentos de frustração, conflito, exigência etc.), uma vez que a satisfação da clientela é fundamental. Aluno insatisfeito, negócios em perigo. Não poucas vezes o aluno insatisfeito pressiona a coordenação do seu curso para afastar o professor que leve demasiadamente a sério sua tarefa, e utilize antigos instrumentos de tortura como aulas expositivas “chatas”, provas e testes “complicados” etc.

Muitos desses alunos-clientes (mas há também exceções, e não são poucas), sentindo-se na posição de consumidores passivos de um espetáculo “pedagógico”, esperam que as aulas sejam um momento de descontração, e avaliam o professor pelo seu grau de simpatia, de camaradagem, de bom humor. São alunos que pagam(impostos são descontados) para ser servidos por um “professor-garçom”, que deve ser o mais solícito e atencioso possível, deve trazer com presteza os pratos mais gostosos, sempre com um sorriso no rosto, mesmo que este sorriso seja produto de uma maquiagem. Aprender, portanto, seria digerir sem esforço, com gosto, um conhecimento bem temperado. Quem paga a conta recebe uma boa nota. E estamos conversados.



Palhaço no bom sentido...

Colhi na internet, mais especificamente num blog, trecho de um texto selecionado e enviado por uma aluna que elogia os professores de sua escola por ocasião de alguma festa comemorativa, possivelmente o próprio Dia do Professor.

Neste texto, em que o autor ou autora enumera os talentos de seus mestres, um deles é chamado, carinhosamente, de “palhaço”:

Gente vou postar um texto basico aki que o segundo ano J de lah da escola fez aos profiss:

Aos Melhores professores do Mundo

Nós do 2º ano J, não poderíamos deixar passar essa data em branco, então diremos em poucas palavras, como é bom tê-los como nossos professores.

Acho que todos aqui gostariam de ter um pouco de cada um de vocês, o que podermos citar aqui é que, quem de nós não gostaria de ter a facilidade de brincar com os números como Gildásio e Nelson, de poder jogar com as palavras como Ana Paula, de construir e relatar a história de nosso país, assim como Marcelo faz com extrema facilidade. Poder entender cada parte do nosso organismo, assim como dos organismos que nos rodeiam, com a simplicidade de Paulo Rocha. Possuir a inteligência em química e em outras áreas como o nosso professor “baixinho” João Castro, saber geografia e passar para os outros de uma maneira tão descontraída como faz o nosso professor “palhaço” Douglas, entender como a sociedade influencia no que somos e no que fazemos assim como Alan Pitombo. Conhecer bem nossa cultura, criticar e desenvolver nossa literatura como Gilson Viana. Entender e saber falar bem uma língua tão complicada, assim como Adriana Puonzo, gostar tanto da pratica de esportes como Fernanda. Pois é, só assim poderíamos ser quase perfeitos, dessa maneira, não teria vestibular que nos reprovasse.

O professor de Geografia, o professor Douglas, é “o nosso professor ‘palhaço’”. Palhaço entre aspas, uma vez que, obviamente, a intenção não era criticá-lo. Palhaço no bom sentido.

A acepção positiva, afetuosa, corresponderia a uma pessoa descontraída, algo bizarra, capaz de divertir com naturalidade, de contar piadas, de ser engraçado. Nada a ver com a idéia de alguém que não possa ser levado a sério, sentido pejorativo para “palhaço”. Palhaçada, em tom de censura, é tudo aquilo que não leva a lugar nenhum. Brincadeira deslocada. Falta de profissionalismo.

O palhaço, no bom sentido, pensando-se no profissional professor, seria aquele que torna as aulas leves, atraentes, interessantes. Nas aulas deste professor, não há lugar para o tédio. Não se daria aqui, necessariamente, falta de exigência própria e para com os alunos. Os alunos se sentem bem, se sentem à vontade, apenas isso.

Professor-palhaço, portanto, não implicaria diretamente em nenhum tipo de dificuldade do ponto de vista didático ou ético. Trata-se apenas de um estilo mais divertido. Uma questão de temperamento, de jeito de ser. Há professores mais carrancudos. Há professores mais simpáticos. Há professores mais expansivos. Outros mais introvertidos. Todos podem e devem ministrar aulas proveitosas. Simplesmente é mais “gostoso” assistir às aulas do professor-palhaço.

E o palhaço, o que é?

No romance Jubiabá, Jorge Amado descreve como, numa cidade em que o circo acabara de chegar, o palhaço fazia o pregão do espetáculo. Sentado num jumento, mas de costas (começa aí a piada, a subversão, a palhaçada...), vai gritando, fazendo rimas com quem encontra pela rua, especialmente com a molecada, seus interlocutores preferidos:

— E o palhaço o que é?

— É ladrão de mulher...

— Olha a negra na janela...

— Com cara de panela...

O palhaço Bolão vai montado de costas num jumento. No fundo da cidade o circo domina. Cheio de bandeiras, com dois anúncios na porta. De noite a música tocará ali e negras venderão cocada. A cidade só fala no circo, nas artistas, na negra que dança quase nua e principalmente no negro Baldo que desafia os homens de Feira de Santa [...]. O palhaço está atravessando o largo da Feira:

— Hoje tem espetáculo?

— Tem, sim senhor...

Os meninos que vieram das fazendas trazer rapadura e requeijão para vender olham com inveja os moleques da cidade que acompanham o palhaço e entrarão de graça no circo.

Montado às avessas no burro, com a cara (pintada) em direção às ancas e ao rabo do animal, o palhaço chama a atenção. É um Cristo às avessas, num arremedo daquela entrada triunfal na cidade santa, sobre o jumentinho. Não um anti-Cristo, mas um Cristo pelo avesso, um Cristo cômico.

O palhaço é, sem dúvida, o melhor “proselitista”, o melhor propagandista do circo. O espetáculo já vai começar. Ele sai em busca de público, e convida a todos indiscriminadamente. As crianças vão atrás. Na tradição circense, conta-se que essa propaganda se fazia assim, em forma de diálogo poético e irreverente:

— Hoje tem marmelada?

— Tem, sim sinhô!

— Hoje tem goiabada?

— Tem, sim sinhô!

— Hoje tem brucutu?

— Tem, sim sinhô!

— Pra comê com angu?

— Tem, sim sinhô!

— Hoje tem espetáculo?

— Tem, sim sinhô!

— Às seis horas da noite?

— Tem, sim sinhô!

— Olha a negra na janela!

— Que tem cara de panela!

— Olha a negra no portão!

— Que tem cara de tição!

— Olha a velhota assanhada!

— Tem cara de marmelada!

Após percorrer as poucas ruas da cidade com seu alegre pregão, parava, e com caretas e trejeitos perguntava quem, afinal, era ele, o palhaço:

— Inzora, inzora, acabou-se a história!

— Bravos! O palhaço já vai simbora!

— E o palhaço o que é?

— É ladrão de muié!

O palhaço que rouba a mulher do outro mostra novos aspectos de sua verdadeira face, nada ingênua. Ele é capaz de tudo. Ele é uma criança, engraçada, má, esperta, terna. Veio alegrar as pessoas e destruir a ordem familiar. Ou será apenas uma brincadeirinha a ameaça do adultério? Ele veio quebrar a rotina da cidade pacata. Ninguém sabe a sua verdadeira identidade, e em princípio tudo o que ele diz, ou dizem que ele faz, corresponde ao seu papel dentro da fantasia circense, e não só circense.

O espetáculo estando prestes a começar, o palhaço fazia um gesto inusitado. Desenhava uma cruz na testa dos garotos ao seu redor, com cinza (outra planejada irreverência, plagiando explicitamente o ritual católico da Quarta-feira de Cinzas). Essa cruz de cinza era a senha que permitia entrar gratuitamente no circo.

E o professor-artista, o que é?

O palhaço é o propagandista irreverente, o poeta improvisador, o Cristo às avessas, o Cristo ridículo, o sacerdote do riso. Paramentado com as cores da alegria exacerbada, ostentando a máscara do exagero, talvez não seja este o melhor modelo para o professor-artista.

Mas qual seria o melhor modelo? Ou melhor: que modelos já existem e como identificar um que seja inspirador para o professor-artista? O modelo do professor-palhaço não seria uma possível variação do professor-artista que queremos definir?

Podemos detectar alguns modelos “professorais”.

Existe o professor-instrutor, sempre transmitindo orientações, conselhos, respostas prontas. Existe o professor-capataz, que exige presença, distribui tarefas, cobra desempenho, dá suas broncas. Existe o professor-sábio, distante, especialista, profundo conhecedor da sua matéria, cuja última preocupação é saber se alguém quer aprender ou não. Existe o professor-treinador, atento à realidade do aluno, preocupado em tornar o saber apreensível, assimilável, praticável. E existe o professor que eu preferiria chamar de professor-clown, lembrando a definição de Henry Miller: o clown como um poeta em ação.

A palavra inglesa clown está etimologicamente vinculada a clod, torrão de terra, e tem a ver com o que está longe dos centros urbanos, e por isso é rústico, tosco, torpe, sem refinamento, simplório, risível. A palavra “palhaço” encontra-se no mesmo campo semântico. Provém do italiano pagliaccio (palavra registrada no século XVI), de paglia, em associação à vestimenta do caipira que lembrava o forro de palha de um colchão, cujo tecido grosso e listrado, por sua vez, lembra a primitiva roupa do palhaço. Palhaço e clown, vítimas do riso do citadino evoluído, tornam-se profissionais do riso.

Ser um professor no sentido autêntico e didático, é atuar com autenticidade, com genuinidade.


A apresentação descontraída do professor mostra que somos todos iguais. A história bem contada, cheia de graça, e a irreverência, e o gesto cômico rompem as barreiras entre professor e aluno, entre aluno e conhecimento. Paradoxalmente, o cômico desperta em nossa consciência a certeza da nossa dignidade. O cômico desperta nosso desejo de pureza, nosso lirismo, nossa simpatia pela condição humana. Lições de humanidade.

O professor “é a exposição do ridículo de cada um, logo, é um tipo pessoal e único. O professor, portanto, não representa, ele é — Não se trata de um personagem, ou seja, uma entidade externa a nós, mas da ampliação e dilatação dos aspectos ingênuos, puros e humanos, portanto estúpidos do nosso próprio ser.”

Por incrível que pareça, o caminho para despertar em nós o professor que somos é o caminho da simplicidade, do desaprender... procurar ser o mais simples possível, o mais natural possível, respirando, como na vida:

Não se deve ter medo de perder seu tempo. As pessoas estão deformadas, sobretudo por causa da televisão: querem ver tudo rápido, querem ter tudo rápido, a vida já digerida; e as crianças são como os adultos. Não devemos nos deixar enganar por essa onda. Quando se consegue impor seu próprio ritmo, quando se vence a partida, é maravilhoso porque as pessoas, então, dão-se conta de que se trata de outra coisa.

Um dos meus “truques” é sorrir freqüentemente porque eu gostaria de transmitir isso: quero tanto, aliás, que, afinal, não é um truque!

Cada um tem sua pequena filosofia... A minha é não poder conceber meu trabalho senão como um clown honesto e verdadeiro: sua atitude e seu caráter transmitem-se através de sua arte, portanto é interessante tentar mostrar-se humano, gentil, com humor. Minha vida, meu ofício, tudo está no mesmo saco! O professor não representa um papel: está nu; sem poder trapacear. Para não decepcionar o aluno, ele tem o dever de ser autêntico, de ter a impressão de estar sempre oferecendo muito pouco. É meu ideal de professor. Um ideal que vocês podem notar em outras pessoas que têm ofícios bem obscuros: pessoas honestas, boas, trabalhadoras. Elas tentam cumprir sua tarefa humildemente: são personalidades tão grandes quanto os mais célebres do mundo.

Além do mais, para mim — um pouco à maneira desse santo que dizia: “Ama a Deus e faze o que quiseres” — é isto: “Sê engraçado, e faze o que quiseres.”




Conceber o professor-clown como uma dimensão (estética) da formação docente é imaginar o professor como um ator que desenvolve seu lado “palhaço” (todos o temos...), no sentido de deixar vir à tona os raciocínios primários (primeiros...), suas fraquezas, o infantil, o cômico (o cósmico...), o patético, o ridículo.

Com que intuito trazer à tona esse “primarismo”, o patético, o ridículo, o infantil? O que nos ensina o “Enseñar”, do espanhol, é mostrar. O que nos mostra este professor-palhaço, este professor-artista? Que valores esquecidos e talvez desprezados ele nos apresenta com sua atuação, com sua presença? Que “ficha cai”quando nos damos conta de que estamos, apesar dos risos... assistindo a uma aula? O que cai em nosso mundo quando “a noite cai”? E em que medida a situação do professor hoje não é uma “noche oscura”, um sinal de decadência, mas também de secreta esperança? Em que medida esta situação em que o professor se sente tantas vezes desvalorizado — esse “tu qualquer”, para usar expressão de Carlos Drummond de Andrade num poema em homenagem a Carlitos, não é ocasião propícia para exercer a “palhaçada” crítica, que põe em xeque a “seriedade” dos superiores que, em represália, podem bloquear nosso cheque?

O professor-artista-palhaço nos ensina a rir de nós mesmos, e simultaneamente a redescobrir a alegria de aprender, de pensar, de viver, de pôr em ação nossos talentos pessoais. A alegria flui, e faz nossa sensibilidade abrir-se para a realidade. A aula do professor-artista é gratuita, é um dom, uma oferta que nenhum dinheiro pode pagar.

E o que ele nos oferece? A surpresa. E que surpresa é essa, qual a sua “mensagem”? Subitamente, pelo riso (sinal inequívoco da inteligência humana), libertamo-nos de todos os papéis sociais que queiram nos impingir, exceto um deles, o mais importante de todos: ser nós mesmos, sem medo de punições, sem o receio (natural) de acabar crucificados.

Hoje tem aula-marmelada?

A acepção “negócio desonesto” para a palavra “marmelada” provavelmente nasceu da adição de chuchu ao doce feito de marmelo. O vendedor dessa marmelada fraudulenta vende gato por lebre. Por que o palhaço pergunta se hoje haverá marmelada?

Se o professor é um palhaço (no melhor dos sentidos...), e hoje tem marmelada, qual a qualidade da sua aula? Que tipo de “espetáculo” ele nos oferecerá? O professor-clown, seguindo as idéias de Shklovski, faz tudo seriamente. Ele é, paradoxalmente, a encarnação do trágico, pois assume, sem as máscaras que nós usamos no cotidiano (falsos rostos, mais falsos do que as verdadeiras máscaras), a fraqueza da humanidade, a nossa condição de seres que praticamente tudo desconhecem. O professor-artista assume o que é cômico e risível, assume o risco de alguém misturar marmelo com chuchu...

A aula é um espetáculo. Nela, o professor-artista usa a gague, esse recurso cômico que joga com o elemento surpresa, para fazer rir, para fazer pensar, para despertar. O cômico é legítima categoria artística, e tem o poder de iluminar, embora momentaneamente, os prisioneiros da caverna platônica.

O trocadilho, a frase ambígua, o comentário paradoxal, o diálogo nonsense, o gesto que ninguém esperava ver numa sala de aula, as expressões vivas do rosto do palhaço fazem o aluno arregalar os olhos, abrir os ouvidos. Provocam novas reações no aluno prosaico, apático, insensibilizado, que está ali, sentado, obrigado a permanecer parado. Vêm ao encontro do aluno sufocado pela poluição visual, pela poluição informacional... Por um momento (pelo riso, verdadeira máscara de oxigênio existencial), o aluno aspira o ar puro das verdades, sabendo-se que todas as verdades são poéticas.

O nosso aluno vive mergulhado no oceano do aleatório, navega entre milhões de mensagens desencontradas, é bombardeado por todo o tipo de apelos e demandas, está submetido a um mercado de trabalho que exige demasiado e oferece cada vez menos. É um náufrago. Sem referências éticas seguras. Déboussolé, como dizem os franceses — sem a bússola, desnorteado (sem o norte), desorientado (sem o oriente). E precisando afirmar-se como ser humano e como cidadão segundo as regras mesquinhas do consumismo a todo custo.

O professor-artista, sem abrir mão da irreverência, torna-se ponto de referência para quem leva a docência a sério. Fingindo oferecer gato por lebre, acaba oferecendo lebre por gato. Sua marmelada, apesar das aparências, é pura marmelada. A surpresa surge diante de uma aula, encantadora e inimitável, que quebra rotinas, questiona as práticas pedagógicas burocráticas, a vida burocratizada. A surpresa opera um impacto intelectual e emocional, e os rostos apáticos se iluminam com um sorriso de prazer.

Parafraseando Maiakovski, não existe educação revolucionária sem forma revolucionária.

Uma aula “engraçada” tem graça, tem carisma. Deslumbra sem ofuscar. Mediante a admiração, o espanto, o professor-artista provoca uma reação interior (o amor ao conhecimento, à liberdade) que se expressa numa reação física: o riso. Aprender deixa de ser um infortúnio, uma obrigação.

O professor-artista, relativizando normas e verdades sociais que se demonstraram insuficientes, espanta o medo que temos de viver no plano da criatividade. O professor-artista, por exemplo, não leva a sério a idéia da punição. Sofre, mas não desiste de ridicularizar a idiotice humana, o sadismo humano que consiste em reprimir o humano que há em nós e nos outros.

O pai-clown do filme A vida é bela bem expressa esse objetivo didático. O judeu italiano Guido ingressa com seu filho neste circo de horrores que foi o campo de concentração nazista. É o filho sobrevivente quem narra essa “fábula”. O fato de se tratar de uma fábula nos autoriza a universalizar a experiência. A cenografia estilizada do campo de concentração tem esse aspecto metafórico e irreal. O sofrimento é apenas entrevisto. A dor misturada ao humor, a tortura vira marmelada. O humor triunfará, por causa do amor.

Desejando que o filho não sofra, o clown transforma o inferno numa brincadeira. Guido consegue criar um mundo de alegria dentro do mundo de desesperança. Vive e faz o filho viver num outro mundo, num mundo mais verdadeiro, mais humano. Desrealiza o campo de morte para tornar real o campo da vida.

O professor-artista aceita a antiga premissa: a primeira missão do artista é não aborrecer. E vai mais longe. A melhor lição de um professor-artista está em mostrar, de maneira viva, lúdica, lúcida, como podemos olhar o mundo com uma visão crítica e divertida, apaixonada e trágica, enfim, como podemos desenvolver uma visão humana, e redescobrir o sentido da vida.

O professor-artista já vai embora!

Antes de ir embora, enfatizemos que o professor-clown desempenha função semelhante à dos bufões e bobos medievais quando brincavam com as instituições e os valores oficiais. O professor-artista (e isso incomoda), por não temer o que possui de ingênuo e ridículo, pode criticar a tudo e a todos, começando por si mesmo. É o princípio desmistificador do riso, que aponta para as coisas mais sérias da vida.

Descobrir o professor-clown que um professor-artista pode ser é doloroso. Implica o confronto do docente consigo mesmo. Ele trará à tona recantos escondidos, medos, fantasias, desejos, dramas, ilusões e desilusões. Imprimirá, em suma, um caráter profundamente humano à sua vida profissional.

Nesse aprendizado, uma das descobertas mais terríveis, e mais divertidas, é a de que já usamos máscaras. Máscaras de tristeza ou euforia, de timidez ou orgulho, de superioridade ou inferioridade, máscaras que ocultam nossa verdadeira personalidade. Temos, atrás das máscaras, uma criança, um palhaço, um louco, e se trata de deixá-los aparecer, transparecer.


O encontro da solidão é libertador. Podermos rir de nós mesmos, das nossas pretensões e temores. A criança interior emerge, e nos devolvemos para o grupo com o rosto limpo, pronto a assumir, agora de maneira burlesca, e cheios de sinceridade, as mesmas máscaras que usávamos para nos defender ou atacar: a do blasé, do mal-humorado, do tímido, da vítima...

Queremos compartilhar com os outros a ternura e a franqueza, queremos recuperar a paciência e a impaciência, viver no ritmo possível, viver o presente como instante eterno.

Queremos o espetáculo, a imaginação em ação, a poesia, a música, o absurdo, a negação da lógica fria. O professor-artista jamais será um mero funcionário, um mero empregado. Ele quer transformar a sala de aula num picadeiro, num palco, e apelar para as nossas reservas de rebeldia e alegria.


Ser, na sala de aula, um poeta em ação, ser a própria história que queremos contar, encarnar, interpretar. Diante dos olhos dos alunos, ser aquilo que pensamos e queremos enseñar. É a mesma história tragicômica de sempre: amor e crucifixão, devoção e estranheza, entusiasmo e desconfiança.

O professor-artista, é honesto, infantil, ingênuo, esperto, tudo o que quer é ver (ou devolver) o sorriso dos outros, o rosto desarmado dos outros, o rosto descalço.

No momento, só queremos rir, descontrair-nos. Mas este nosso riso tem um preço. O professor-artista reivindica a dignidade do que é humano, ridículo e limitado. O seu humor é revolucionário.